ESG e o ‘chão de fábrica’

O tema da coluna de hoje veio com uma provocação do time de redação do RH Pra Você.

Eles, assim como eu, ficaram chocados com a notícia abaixo. Com base nela, me trouxeram o desafio de falar sobre o tópico tão delicado sobre o ponto de vista da minha expertise profissional.

“Frigorífico é condenado a indenizar funcionária que perdeu gêmeas ao entrar em trabalho de parto no expediente”[1]

Resumidamente, a situação é descrita assim na reportagem:

A BRF, uma empresa de alimentos, foi condenada a pagar R$ 150 mil a uma mulher venezuelana que perdeu suas filhas gêmeas após entrar em trabalho de parto durante o trabalho em um frigorífico. O incidente ocorreu em Lucas do Rio Verde, perto de Cuiabá.

O site do TRT assim descreve: “O caso aconteceu em abril de 2024, quando a trabalhadora, grávida de oito meses, começou a se sentir mal no início da jornada, às 3h40. Com dores intensas, ânsia de vômito, tontura e falta de ar, ela buscou socorro junto à sua líder imediata e ao supervisor. Mesmo após insistentes pedidos, foi impedida de deixar o setor devido ao funcionamento da linha de produção.[2]

O juiz Fernando Galisteu decidiu que a empresa deve também pagar verbas rescisórias à mulher. Durante seu turno, ela sentiu-se mal e pediu ajuda, mas a liderança negou sua saída para não interromper a produção. Ao tentar sair por conta própria, ela começou o trabalho de parto em um banco próximo à empresa, onde suas filhas morreram[3].

A decisão garante à mulher o pagamento de aviso prévio, 13º salário, férias, FGTS com multa e acesso ao seguro-desemprego. A empresa argumenta que o parto ocorreu fora da unidade e que a funcionária não buscou atendimento médico interno, além de não ter informado sobre a gravidez de risco.[4]

A notícia não é sensacionalista, ela está no site do Tribunal[5], que diz que: “A sentença aplicou diretrizes do Protocolo para Julgamento com foco em Antidiscriminação e Inclusão, destacando a vulnerabilidade da autora, mulher, imigrante e gestante. O juiz mencionou normas de saúde e segurança do trabalho, ressaltando a obrigação do empregador. Ele considerou evidente o dano moral, atribuindo uma indenização de R$ 150 mil por sofrimento e humilhação, considerando a exposição emocional da trabalhadora e a repercussão na mídia”.

O processo está em segredo de Justiça.

A minha questão aqui não é somente esse caso. Quantos são tão chocantes existem e não sabemos?

A provocação que RH Pra Você me fez é complementada com a questão: “Outros ambientes de trabalho – especialmente onde atuam colaboradores com trabalhos mais operacionais – são tratados com cuidado para que as pessoas tenham voz?”

Eu complemento:

• Mesmo nos escritórios, há esse cuidado? O S (Social) do ESG é real e atinge o público interno?
• Como anda sua política de respeito aos Direitos Humanos?
• Eles são mapeados nas suas comunidades interna e externa?
• Você sabe como mapear esse cuidado?
• Você sabe como agir quando um direito fundamental é ferido?
• Há um plano de avaliação de impacto, restrição de dano e reparação de dano que, porventura, ocorra?
• Você acha que com uma política de canal de denúncia, e alguns treinamentos, seu negócio estará protegido e atuará com os devidos cuidados?
• Ou você acha viável a defesa apresentada de que a culpa é da empregada que foi trabalhar no oitavo mês de gravidez, e que um parto leva de 8 a 12 horas e, portanto, ela deveria saber e nem ir à empresa?

O frigorífico alegou que o parto ocorreu fora de suas instalações, em área pública. Também afirmou que a trabalhadora recusou atendimento pelo setor médico da empresa e que não havia registro de gravidez de risco. Sustentou ainda que a negligência foi da própria empregada, argumentando que trabalho de parto dura entre 8 e 12 horas.”[6]

Sigo questionando:

• Que tipo de auditoria você faz?
• Se há, é com IA?
• Uma avaliação de impacto em direitos humanos implica, obrigatoriamente, em entrevistas presenciais com a comunidade interna e externa da empresa. Uma IA faz isso?

Quer conhecer um pouco desse tema? De todos os métodos que estudei na UOC em meu mestrado em Direitos Humanos e globalização, no estudo sobre a avaliação de potenciais impactos de atividades empresariais em direitos humanos, gostei muito do Danish Institute for Human Rights, e nesse link[7] há um material muito bom para avaliação de atividades empresariais.

Mas essas são ferramentas. Ferramentas que se aplicam quando as empresas, e as pessoas que as compões, têm postura ética e de compliance. Nós, advogados, temos que pensar muito nisso em nossas defesas. Às vezes, vale acabar o assunto com um acordo, e não tentar postergar um problema que é real. Isso não implica assumir a culpa, que em algumas situações pode nem existir.

Esse caso, somando-se a outros, como os de Brumadinho e de Mariana, não nos mostra que algo precisa mudar?

Não basta somente existir por existir ESG, política de Direitos Humanos, de diversidade auditoria, due diligencescompliance, código de ética etc. Tudo tem que ser efetivo.

Tentando, então, responder ao RH Pra Você

A humanização nas empresas funciona também fora dos escritórios? Quando a empresa não é humanizada, ela não funciona em setor nenhum e em nenhum grau. Mas alguns setores têm “menos voz”. Talvez por isso, casos tão horríveis assim cheguem à mídia.

Por isso, os constantes apelos de conscientização e treinamentos contra assédio e outras formas de violência no trabalho. Aliás como anda seu treinamento anual obrigatório da lei 14457/22?

Por isso, também, o esforço e o controle são diários. Especialmente as áreas de Recursos Humanos, Compliance e Jurídica precisam olhar com atenção a esses casos. Para que eles deixem de existir.

Por tal, sindicatos precisam agir em prol de seus representados nesses casos.

E, por fim, a difícil pergunta que não tem uma reposta única: “Outros ambientes de trabalho – especialmente onde atuam colaboradores com trabalhos mais operacionais – são tratados com cuidado para que as pessoas tenham voz?”

Eu não sei dizer com certeza, e não posso julgar por um único caso, por mais horrível que seja, mas nas divulgações de empresas raramente vemos esses setores com voz. Fotografado com pessoas sorridente, sim, mas ouvidos ,não.

Em alguns documentos de ESG, quando analiso nos sites a palavra “empregado”, surge muito pouco. E quando surge, é só relacionado a uma ou outra norma da CLT.

Ferramentas existem, como a que mostrei acima, que é uma em muitas, mas nenhuma é perfeita. Muitas podem ter debilidades como a voluntariedade na sua implantação. Mas se não começarmos a olhar para isso com muito cuidado e profundidade, nunca sairemos do lugar.

Então, hoje, eu termino, sem muitas repostas, mas com um chamado: vamos olhar outras ferramentas mais complexas de mapeamento de riscos e realmente tentar aplicá-las, primeiro num mapeamento real de situação da atividade empresarial, depois no que precisa ser mudado/implantado, e como reparar danos que podem ser involuntários ou não, mas que necessitam ser reparados com dignidade, sem esquecer a comunicação constante com a comunidade impactada.

Deixo algumas pequenas questões que são gerais, mas que se sua empresa buscar respondê-las, isso ajudará na lição de casa:

1. Como você prepara a liderança operacional?
2. Quais são seus critérios de promoção? Os mais comuns que já vi nem passam perto de gestão, e usualmente envolvem absenteísmo, qualidade no trabalho, proatividade, disponibilidade para horas extras e afins. Seus critérios são assim? Se forem, conceitos têm que ser revistos.
3. Sua liderança operacional passa pelos mesmos treinamentos e workshops de todos os demais líderes? Esses programas são adaptados para esse tipo de liderança?

Outro ponto importante são as metas:

1. Como você lida com metas de produção?
2. Como elas são criadas?
3. O SESMT opina na produção? Por exemplo, você sabe que determinadas atividades produtivas exigem micropausas para não lesar o empregado?
4. A meta é devida a qualquer custo?
5. Empregados são punidos se não atingem metas, ou premiados por metas irreais (ou que para serem atingidas lesam a saúde)?

A lista é grande, o importante é, antes de tudo, mapear sua atividade e gerenciamento de lideranças e liderados. De verdade, sem medo.

Vamos mudar esse título em algum momento?

Fonte: RH Pra Você

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