O debate público foi tomado nos últimos dias por um movimento que visa mudar a frequência de trabalho dos brasileiros. A proposta é acabar com a escala 6×1, em que o empregado trabalha seis dias e tem apenas um dia de descanso na semana.
A deputada federal Erika Hilton encabeça a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) na Câmara dos Deputados. O texto já tem assinaturas necessárias para ser protocolado e avaliado pela casa legislativa.
A proposta inicial reduz a jornada máxima de trabalho para 36 horas semanais, em quatro dias por semana. Um dos setores que mais adota o regime de trabalho 6×1 é o do comércio, que emprega cerca de 10,5 milhões de trabalhadores no Brasil, segundo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).
Quais os impactos com o possível fim da jornada de 6×1?
Independentemente da forma de discussão, a redução da escala de trabalho levanta um debate sobre possíveis impactos na economia e possíveis efeitos negativos, como demissões e diminuição de salários.
A professora Celina Oliveira, do departamento de Teoria Econômica da Universidade Federal do Ceará (UFC), aponta que a mudança na escala de trabalho deve trazer propostas de compensação para empresários, elaboradas a partir de estudos de impacto.
A especialista explica que o efeito inicial da redução da jornada trabalhista é o aumento dos custos para os empregadores, já que será necessário contratar mais pessoas para suprir a mesma operação.
Caso não haja uma medida de compensação, os empreendedores podem repassar o aumento de custos para o preço final dos produtos e serviços.
“A medida que o tempo vai passando, você pode ter esses impactos na inflação. Outro efeito que pode ocorrer é, ao invés de contratar novo empregado para ocupar horas, pode contratar novos empregados na informalidade, que não contam com recursos de seguridade”, opina.
O secretário do Trabalho do Ceará, Vladyson Viana, aponta que ainda é necessário obter dados para avaliar os possíveis impactos da mudança. O titular aponta que o Congresso Nacional tem a legitimidade para fazer essa discussão aprofundadamente.
“O papel do estado é fazer uma concertação nesse processo, protegendo aquele que é mais vulnerável que é o trabalhador. E para isso é fundamental ouvir as partes interessadas, mas ter dados também para ter uma opinião mais assertiva”, afirma.
IMPACTO NOS SALÁRIOS E FOLHAS DE PAGAMENTO
Diversas entidades do comércio e da indústria se manifestaram contra a redução da jornada de trabalho. A Confederação Nacional da Indústria (CNC) disse que a mudança pode trazer efeitos negativos no mercado de trabalho.
Já a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) afirmou que a imposição de uma redução da jornada sem diminuição correspondente dos salários implica no aumento dos custos das empresas.
Para Christiano Penna, professor de Pós-Graduação em Economia da UFC, é improvável que a redução da jornada venha acompanhada da redução dos salários. O especialista aponta que a menor carga-horária pode trazer até mesmo o aumento das médias salariais.
“O empresário vai ter que contratar mais gente. O país está com o nível de emprego já muito baixo, o que vai pressionar para um aumento dos salários. Vai precisar pagar um pouco mais para contratar esse trabalhador”, aponta.
O efeito seria ainda mais forte em caso de mercado de trabalho aquecido, em que há baixa oferta de trabalhadores no mercado de trabalho. Christiano Penna ressalta ainda que, no caso do salário mínimo, a redução é inconstitucional.
O impacto no custo de contratação pelos empresários não deve ser um ponto delimitante na discussão sobre a escala 6×1, defende o supervisor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Reginaldo Aguiar.
O representante do Dieese aponta que no setor de comércio, por exemplo, costuma pagar salários próximos ao mínimo. “O peso no faturamento das folhas de pagamento na maioria das empresas do comércio fica na faixa de 3 a 5%. O custo com mão de obra já é super barato”, aponta.
Reginaldo afirma que o debate sobre a redução de jornada não deve focar no impacto econômico, e sim na melhoria das condições de vida dos trabalhadores.
“As pessoas têm o direito de viver. Isso não pode ser dado por uma questão financeira. Estamos em um modelo extremamente injusto em uma época que vários países e várias empresas têm feito testes para que as pessoas trabalhem menos”, aponta.
O supervisor técnico aponta que o aumento do tempo livre pode viabilizar que os profissionais se profissionalizem e aumentem a produtividade. “Com o nível de tecnologia que se tem hoje, é necessária uma semana com menos dias de trabalho. O preço que a classe trabalhadora paga é absolutamente insustentável”, afirma.
QUEIXA ANTIGA
Os impactos econômicos também foram utilizados como argumento para evitar a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). É o que aponta Edemilson Paraná, professor de Sociologia Econômica da LUT University, na Finlândia.
O argumento foi utilizado na aprovação das férias remuneradas e décimo-terceiro, foi utilizado novamente na aprovação da licença-maternidade. Todo momento em que uma nova legislação voltada para a melhoria das relações de trabalho, para construção do ambiente de trabalho mais equilibrado e economicamente mais justo aparece, esse argumento volta a aparecer.
Edemilson Paranáprofessor de Sociologia Econômica da LUT University
O especialista aponta que a proposta de redução da jornada de trabalho está alinhada com um movimento mundial e que faltam dados concretos sobre um impacto econômico negativo.
As análises também precisam considerar um círculo virtuoso provocado pela redução das jornadas, com trabalhadores mais produtivos e consumindo mais, segundo Edemilson Paraná.
Fonte: Diário do Nordeste