Advogadas elogiam lei de igualdade salarial, mas têm ressalvas

A igualdade salarial entre mulheres e homens já está prevista na CF e na CLT. Ainda assim, este direito não é integralmente cumprido. Segundo o IBGE, as mulheres ainda ganham 20% menos que os homens para os mesmos cargos.

Buscando solução para este problema, o presidente Lula sancionou, no ano passado, a lei de igualdade salarial (lei 14.611/23). O texto determina a equiparação de salários entre mulheres e homens em situações em que ambos desempenham funções equivalentes, com igual produtividade e eficiência, independentemente do gênero.

A iniciativa é avaliada positivamente por especialistas.

Mas, em novembro do ano passado, a norma foi regulamentada, com a publicação do decreto 11.795/23 e da portaria MTE 3.714/23. O decreto prevê que as empresas divulguem em suas páginas na internet e redes sociais um Relatório de

Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios – que deverá ser disponibilizado para seus empregados, colaboradores e público em geral. A portaria, por sua vez, regulamenta o decreto e estabelece os procedimentos administrativos necessários para cumprir a exigência.

Neste relatório vão constar cargos e valores de salários, além de comissões, horas extras e adicionais. Os dados, segundo o governo, terão caráter anônimo.

Em um primeiro passo do cumprimento à novel normativa, empresas com mais de 100 funcionários têm até sexta-feira, dia 8, para declarar informações da empresa no portal Emprega Brasil. A partir dessas informações, será criado o relatório verificando se há existência de diferenças salariais entre homens e mulheres no mesmo cargo.

As exigências têm desagrado o meio empresarial.

Para entender melhor o texto legal e suas questões, Migalhas ouviu especialistas atuantes na esfera trabalhista há mais de 35 anos.

Encômios

A advogada Ana Amélia Mascarenhas Camargos destacou a importância da lei. “É um desenvolvimento civilizatório da sociedade brasileira para forçar uma igualdade salarial entre homens e mulheres com a mesma competência, que só veio a agregar e melhorar o desenvolvimento social da sociedade brasileira.”

Ela destaca que o Constituinte de 88 já se preocupava e reconhecia o problema da desigualdade salarial entre homens e mulheres, prevendo, em seu art. 7, XX, a proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos.

No mesmo sentido, a advogada Maria Lúcia Benhame pontua que a igualdade de pagamento existe desde 1943, pelo art. 5º da CLT, segundo o qual “a todo trabalho de igual valor corresponderá salário igual, sem distinção de sexo”.

Mesmo assim, até por um “viés inconsciente”, não é o que se vê na prática.

Benhame afirma que essa temática não surge “do nada”: é uma tendência mundial, muito forte em nível empresarial. Ela citou o Pacto Global da ONU, que tem o movimento de igualdade de gênero, o Movimento Elas Lideram 2030, com a ambição de ter 1.500 empresas comprometidas com a paridade de gênero na alta liderança até 2030. Esse movimento, explicou a advogada, tem relatórios mostrando o quanto a diversidade aumenta inclusive a lucratividade das empresas.
Insegurança das empresas

Ana Amélia Camargos explica que a questão que se coloca e preocupa empresas tem relação com exigências previstas na portaria 3.714/23.

A especialista não vê qualquer problema no trecho do texto que determina que os dados salariais sejam informados em índices – ou seja, sem valores. O ministério do Trabalho é competente para receber e fiscalizar esses dados.

O problema, destaca a advogada, é a obrigatoriedade de a empresa divulgar, em seu site e redes sociais, relatório realizado pelo ministério a partir dos dados fornecidos. Contra essa previsão já há inclusive decisões liminares retirando a obrigação.

“O juiz entendeu que era arbitrariedade obrigar empresas a publicarem para o público em geral dados tão confidenciais e sigilosos, importantes para seus negócios. As liminares me parecem bem corretas.”

A advogada protestou no sentido de que, em vez de aplicação de multa, o governo poderia dar algum tipo de incentivo a empresas que demonstrem haver equiparação salarial entre homens e mulheres em seus quadros.

Maria Lúcia Benhame também vê aspectos negativos na normativa. Ela destaca que a alteração legal foi feita de forma muito rápida, sem tantos detalhes, sobretudo acerca do relatório, não dando a devida segurança às empresas com relação aos dados e ao relatório.

A circunstância gerou dúvida nas empresas, de como o relatório vai sair, o que vai constar, se vai ter impacto para as companhias. “Pode gerar distorções. Mas a gente não sabe se vai ou não gerar.”

“Diferentemente de Pacto Global da ONU, em que a inscrição das empresas é voluntária, essa exigência é obrigatória, então acaba gerando certo desconforto.”

Apesar de ambas as advogadas citarem decisões já proferidas favoravelmente às empresas, no sentido da desnecessidade de divulgar o referido relatório, Benhame avalia que ainda é cedo para buscar a Justiça. Ela explica que, após a entrega de dados pela empresa, a empresa teria 15 dias entre o recebimento do relatório e a data da efetiva publicação. “Daria tempo de se analisar, verificar se o relatório mostra algum descompasso com a prática real da empresa. Se houver descompasso, aí sim é hora de agir judicialmente até com mais embasamento.”

Sanções

Caso o MTE identifique alguma desigualdade salarial e de critérios remuneratórios entre homens e mulheres nos dados apresentados, as empresas deverão elaborar e implementar o Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens.

Este plano deve apresentar as medidas a serem adotadas, assim como as metas e os prazos. Também prevê a criação de programas de capacitação de gestores, lideranças e empregados a respeito do tema da equidade entre homens e mulheres no mercado de trabalho. 

Outro item garante a participação de representantes das entidades sindicais e dos empregados na elaboração e implementação do Plano de Ação.

A lei dispõe que, em caso de descumprimento, poderá ser aplicada uma multa administrativa cujo valor corresponderá a até 3% da folha de pagamento, até o máximo de 100 salários mínimos, além de multas por práticas discriminatórias, quando for o caso.

Debates

Maria Lúcia Benhame vê um ponto salutar no debate que se levantou com a proximidade do prazo final de envio das informações: trazer o assunto à tona. 

A especialista observa que a lei, o decreto e a portaria são do ano passado, mas não geraram toda a movimentação que se viu neste ano.

“Como o relatório vai acontecer? Quais informações vou colocar? Vai ter previsão ou não? Essa discussão não aconteceu até que chegasse o prazo de entrega – um pouco no escuro, é verdade – e com alta multa. Talvez a movimentação não tivesse surgido se não houvesse isso.”

Discriminação inconsciente

Benhame observa que o tema da equiparação salarial ainda exige bastante estudo, comprometimento e mente aberta. “A gente não pode partir do pressuposto de que as empresas não têm discriminação porque trabalham com meritocracia.”

A advogada, que trabalha com consultivo, destaca que, quando se faz uma análise mais profunda, é possível perceber que há viés discriminatório.

“Nenhuma empresa conscientemente, voluntariamente, diz: vou pagar menos para mulheres, ou vou desenvolver menos as mulheres na carreira. É algo que vai acontecendo sem as pessoas perceberem. Daí essa indignação, porque a pessoa não consegue olhar e ver que existe esse viés.”

Para a especialista, é salutar a discussão mais profunda sobre o tema, a fim de que as empresas se autoanalisem, olhem para dentro e observem padrões que não haviam percebido, e que é necessário modificar.

“É papel de todas as empresas hoje conscientes, que aderem a ESG, a pautas de diversidade: mostrarem que realmente aderiram e vão fazer os esforços necessários para que isso aconteça de maneira plena na empresa.”

Fonte: Migalhas

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