Empresas apostam em novo formato de contrato de trabalho para tentar reduzir conflitos entre patrão e empregado

Justiça do Trabalho recebeu, somente no ano passado, cerca de 2,5 milhões de ações trabalhistas que ingressaram nos tribunais de todo o país, segundo dados do Relatório Geral da Justiça do Trabalho. Para cada cem mil habitantes, 1.214 pessoas entraram com pelo menos uma ação ou um recurso no Judiciário. Ainda segundo os dados, os assuntos mais recorrentes foram aviso prévio, multa de 40% do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e multa por atraso no pagamento de verbas rescisórias.

Para tentar melhorar a relação de emprego e evitar que disputas entre patrões e empregados parem na Justiça, empresas estão apostando em contratos de trabalho chamados conscientes ou complementares. A ideia é que abordagem jurídica, que privilegia a relação entre as partes, melhore a comunicação e reduza a litigância. Para a advogada Fernanda Guerra, diante das transformações que o mercado de trabalho atravessa, cresce a busca das empresas por humanização na gestão de pessoas:

— Tudo se judicializa. O empregador acha que o trabalhador é um mal necessário, e o empregado acha que o trabalho é um mal necessário, e não existe um lugar de dialógo.

Segundo ela, com uma linguagem mais acessível, o contrato pode estabelecer não somente direitos e deveres, mas como as partes gostariam de ser tratadas, as expectativas e os anseios de cada um. As partes, assim, elaboram as cláusulas em conjunto.
— Os contratos conscientes ajudam os envolvidos a negociar e estabelecer um diálogo mais franco — avalia.

Com um negócio voltado para a inclusão de pessoas em vulnerabilidade social no mercado de trabalho, o diretor comercial e fundador da startup Troca, Tarso Oliveira, implementou a experiência com os 12 funcionários. Para ele, foi fundamental incorporar na própria empresa uma cultura que deveria acompanhar também o processo de empregabilidade que ele promove e melhorar a experiência de contratação tanto para patrões quanto para empregados.

— Para trabalhar com empregabilidade de pessoas em situação de vulnerabilidade social, é preciso estabelecer a conexão delas com as empresas. E ajudar as empresas a trabalhar com a cultura da diversidade. Muitas vezes, as estruturas empresariais não estão prontas para receber a comunicação — observa Tarso.

Ele conta que durante o acompanhamento de um trabalhador cadeirante, contratado por uma grande companhia, recebeu uma queixa de que ele chegava atrasado diariamente.

— Descobrimos que antes das 8h não havia ônibus disponível para pessoas com deficiência. Mas nem o trabalhador teve coragem de tentar mudar seu horário com o chefe nem o gestor reclamou diretamente — complementa Tarso.

Prestação de serviços

As experiências de assinatura de contratos conscientes não estão somente relacionadas ao direito trabalhista. As empresas também estão buscando especialistas para assinatura de termos entre sócios de empresas e até mesmo prestação de serviços. Este foi o caso do empresário Rodrigo Dantonio. Dono de uma empresa que oferece cursos na área de Saúde, ele decidiu produzir um contrato para os clientes e alunos em um formato mais conciliador. Para ele, era importante que a relação entre o curso e os alunos começasse de uma forma mais amistosa e transparente, sem desconfianças mútuas.

— Os contratos tradicionais já preveem um entrevero, uma disputa, pressupondo que aquela relação ali não vai dar certo. O que buscamos foi essa mudança de perspectiva — descreve o fundador da Consciência Cursos.

O empresário acrescenta que, no documento, a empresa justifica a importância de prazos, formas de pagamento e responsabilidade de contratante e contratado:

— A linguagem jurídica é muito dura, e o primeiro contato que o prestador de serviço manda é um documento todo engessado e cinza, com um monte de toma lá da cá. Se você começa a ter que consultar o contrato, está acontecendo algo errado. Buscamos uma maneira mais leve de nos comunicarmos com o cliente mais do que uma lista de regras, punições e multas.

Entrevista: ‘Adotamos uma linguagem mais gentil’, diz Ana Paula Vasconcelos, empresária e dona do Hotel Fazenda Serrote

Como vocês começaram a introduzir o contrato consciente junto aos funcionários da fazenda?

A primeira experiência foi com um funcionário que viria trabalhar e também morar na fazenda. Foi um plano-piloto, e pretendemos replicar para outros funcionários. Estamos adotando uma linguagem mais gentil. A ideia é expandir o uso desse contrato para novos funcionários e, se possível, inserir naqueles já existentes, dentro das possibilidades jurídicas e da legislação, claro. Temos 70 funcionários. A fazenda existe há 25 anos, e não temos registro de qualquer ação trabalhista.

O que vocês pretendem inserir nesses contratos?

Acredito que cláusulas de confidencialidade, confiabilidade e convivência em harmonia com colaboradores e funcionários.

E o que os funcionários querem em relação aos empregadores?

Acredito que eles esperam um tratamento mais personalizado e um olhar para cada um deles para suas necessidades particulares, até porque muitas questões pessoais e de fora da fazenda são discutidas aqui. Nós temos uma relação e uma convivência bastante familiares, até porque nós moramos na fazenda, e eles trabalham dentro da nossa casa. Na prática, nós já adotamos uma linguagem e um estilo de tratamento amigáveis com todos.

Qual é o principal benefício?

Nós temos um tratamento personalizado para a hospedagem e nossos clientes, e acreditamos que devemos ter também em relação ao funcionários, incorporando cláusulas e algumas que sejam especificas, na medida das barreiras legais. Vamos estabelecer com contratos estruturados em uma comunicação não violenta e respeitosa, em uma abordagem que vai muito além somente do trabalho desenvolvido aqui.

Mudanças exigem cautela e orientação

Apesar do formato e da proposta inovadora, advogados trabalhistas são mais céticos em relação à sua aplicação no mercado de trabalho. Eles ponderam que o contrato trabalhista é um termo de adesão e ressaltam que historicamente a relação entre patrão e empregado já prevê um desequilíbrio e uma relação de poder.

Para a advogada Maria Lúcia Benhame, do escritório Benhame Sociedade de Advogados, embora a reforma trabalhista de 2017 preveja o acordado sobre o legislado, é preciso atenção na assinatura dos contratos de trabalho.

É um contrato com subordinação. Não há equilíbrio na relação de emprego e, por isso, a lei reconhece no empregado o hipossuficiente. O que adianta estar escrito que deve ser tratado com respeito e não tratar sem respeito? — questiona ela: — Estabelecer atividades e funções pode engessar a relação e caracterizar desvio ou acúmulo de funções.

Luiz Fernando Aragão, advogado e professor de Direito do Trabalho na Universidade Cândido Mendes, avalia que é preciso cautela ao estabelecer novos parâmetros no contrato de trabalho.

— Os empregadores devem procurar a orientação de advogados especializados antes de qualquer medida ou alteração contratual — ressalta.


Fonte: Extra

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