Quase dez anos após a PEC das Domésticas, empregadas ainda convivem com informalidade

Quase dez anos após a promulgação da Emenda Constitucional 72, conhecida como a PEC das Domésticas, as empregadas ainda amargam um alto índice de informalidade, intensificado pela pandemia de covid-19. Segundo o Instituto Doméstica Legal, o estado do Rio perdeu 46 mil postos de trabalho doméstico na comparação entre o quarto trimestre de 2019 e o mesmo período de 2021. O estado também registrou aumento da informalidade, de 72,42% para 76,80%, e redução da formalidade, de 27,58% para 23,20%.

De acordo com Mario Avelino, presidente da entidade, fazendo um comparativo com os dois períodos, foram 659 mil postos de trabalho a menos no país – redução de 10,37%, além do aumento da informalidade em 3,26%, passando de 72,15% em 2019 para 75,41% no ano passado, e a diminuição da formalidade em 3,26%, de 27,85% em 2019 para 24,59% em 2021.

“Muitos empregadores perderam suas rendas também, fecharam seus negócios. Aumentou muito o número de diaristas, que não são profissionais informais e, sim, autônomas. O home office acabou proporcionando a troca de uma empregada mensalista por uma diarista. Já a informalidade nos preocupa, já que em uma ação trabalhista, o empregador vai ter sérios prejuízos”, afirma Avelino.

Eficácia das alterações na legislação

Na avaliação da presidenta do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos do Município do Rio, Maria Izabel Monteiro, houve uma mudança positiva a partir da PEC das Domésticas. “Quando o empregador faz a inscrição da trabalhadora no E-social e, depois disso, para de fazer o recolhimento, mesmo a funcionária sendo prejudicada, o empregador está mais prejudicado ainda”, pondera.

Como ponto negativo, Maria Izabel comenta que muitos patrões ainda não cumprem as leis trabalhistas diante da falta de fiscalização do trabalho doméstico. “A trabalhadora doméstica por necessidade de se sustentar, mesmo sabendo que existe a lei, aceita trabalhar. Esse é um fator triste para a nossa categoria”. Ela enfatiza que, para fazer a lei ser respeitada, precisa acontecer uma fiscalização do trabalho doméstico.

O presidente do Instituto Doméstica Legal, Mario Avelino, julga que as alterações na legislação foram eficazes na prática, “pois houve um aumento do número de trabalhadores formalizados comparando com o que tínhamos antes da Lei Complementar”. Ele acrescenta: “A Lei Complementar 150 veio trazer mais dignidade ao emprego doméstico. Ela regulamentou os novos direitos aprovados pela Proposta de Emenda Constitucional 72, também conhecida como PEC das Domésticas”.

A medida assegurou aos empregados domésticos novos direitos como Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), salário-família, seguro-desemprego, adicional noturno, entre outros. “Atualmente, eles possuem todos os direitos de um trabalhador de uma empresa, com exceção do abono do PIS, que o trabalhador doméstico não tem direito”, esclarece o presidente do instituto.

Avelino reforça que o patrão que não cumpre com as obrigações trabalhistas pode ter complicações, principalmente, uma ação trabalhista. Em muitos casos, segundo ele, pode pagar multas com juros e correção monetária.

“O empregador doméstico que não assina a carteira da empregada tem que arcar financeiramente com todos estes pontos citados em uma ação que ele perdeu. Quem tem a empregada formalizada e regularizada não precisa se preocupar caso sua empregada precise de algum desses benefícios, pois o responsável pelos custos é a Previdência Social”, afirma o presidente do Instituto Doméstica Legal.

Já a advogada trabalhista Bruna Kauer, do escritório Aparecido Inácio e Pereira Advogados Associados, avalia que não houve efetividade prática, “visto o flagrante aumento da informalidade, consequente diminuição de direitos trabalhistas e precariedade das relações de trabalho”.

Ela sugere que, para a diminuição da informalidade, “seria necessário que o Congresso Nacional votasse um pacote que reduzisse a tributação trabalhista para esse tipo de empregado, permitindo que o empregador pessoa física não tivesse de arcar integralmente com as mudanças aprovadas”.

Problemas persistentes

A advogada Cíntia Fernandes, sócia do escritório Mauro Menezes & Advogados, observa que um dos principais problemas que persiste após a aprovação da PEC das Domésticas é justamente a informalidade, ou seja, a ausência de assinatura na carteira de trabalho e “por consequência a supressão de direitos trabalhistas e previdenciários”.

Segundo ela, além disso, há outros problemas como trabalho em sobrejornada sem a devida correspondência salarial e exercício de atividades distintas do contrato. “Há ainda muitas empregadas que são enquadradas como diaristas também com a intenção de escamotear o vínculo de emprego”, explica Cíntia. 

“Tais irregularidades são potencialidades em razão da dificuldade de fiscalização do trabalho pelos órgãos competentes, assim como pela vulnerabilidade do empregado que mantém-se inerte diante dos descumprimentos legais com o receio de perder o emprego ou ter dificuldade em uma nova contratação”, opina a advogada.

Desvalorização do trabalho

A advogada trabalhista Maria Lucia Benhame, do escritório Benhame Sociedade de Advogados, acredita que a informalidade do trabalho doméstico está ligada a aspectos culturais e financeiros, que implicam na desvalorização das funcionárias. “O histórico do trabalho doméstico visto, mesmo dentro da família como algo inferior, que não é um trabalho real, reflete em quem ‘ajudaria’ a família. Não há profissionalismo na relação. Por vezes, dão-se coisas que a lei não determina, mas não se cumpre o mínimo legal”, afirma. 

“Entendo que, além de uma questão, infelizmente, cultural de ver essas funções não como um trabalho, há as questões financeiras. Os empregadores não têm incentivo que tinham antes de descontar o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) pago para o empregado doméstico da base do cálculo do IR (Imposto de Renda), por exemplo”, acrescenta a advogada.


Impacto da pandemia

A advogada trabalhista Bruna Kauer lembra que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelou, em 2020, que o trabalho doméstico foi o segundo setor mais afetado pela crise sanitária no país. “Ademais, a crise socioeconômica, sanitária e a recessão, que é anterior à pandemia, aprofundaram a violação de direitos humanos das trabalhadoras e a proteção dos direitos trabalhistas com o aumento da informalidade”.

A especialista considera que a pandemia deu a dimensão da situação de extrema vulnerabilidade que a categoria se encontra e dos seus desafios estruturais. “Pesquisas recentes consideram que 70% das profissionais não possuem carteira de trabalho assinada, ou seja, a falta de fiscalização e condições precárias de trabalho representam os principais fatores que expõem as profissionais no atual contexto da pandemia”, finaliza Bruna.

Orientação e fiscalização

Em fevereiro, o Ministério do Trabalho e Previdência iniciou uma operação de orientação e fiscalização junto aos empregadores domésticos. A Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) está enviando notificações de orientações sobre a legislação trabalhista e solicitando a apresentação de documentos comprobatórios.

“O objetivo desta ação é alertar a população sobre irregularidades no emprego doméstico, levando informações sobre direitos e deveres e realizando fiscalizações trabalhistas”, explicou Mario Avelino, presidente do Instituto Doméstica Legal.

Fonte: O Dia

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