Trabalho 100% remoto e em apenas quatro dias na semana? Nessas empresas é assim

Já imaginou não precisar perder horas de deslocamento todos os dias para chegar ao escritório? Agora imagine trabalhar apenas quatro dias na semana. Parece inconciliável, mas essa possibilidade já existe, inclusive em empresas brasileiras.

Depois da pandemia, companhias dos mais diversos segmentos perceberam que seguir com o modelo de trabalho remoto, e ainda reduzir a jornada semanal, poderia ser uma forma de reter talentos, sobretudo na área de tecnologia, sem a necessidade de aumentar salários.

Líderes dessas empresas dizem que a melhora na qualidade de vida dos funcionários ajudou até mesmo a aumentar a produtividade, reduzindo também os pedidos de demissão.

‘Guerra de salários’

Em 2020, a empresa de tecnologia LDSOFT implementou o trabalho remoto. O modelo se tornou permanente no ano seguinte devido ao sucesso entre os funcionários, sem que a qualidade ou ritmo das entregas diminuísse.

De acordo com o diretor de negócios da empresa, Pedro Duffles, o mercado de tecnologia ficou muito aquecido durante a pandemia, daí surgiu a ideia de reduzir a semana de trabalho, em 2022:

— Virou uma guerra de salários. Quando colocamos a semana de quatro dias, trouxemos um diferencial. Precisa mais do que salário para tirar um funcionário nosso. Pedidos de demissão caíram bastante. Se tinha um a cada mês antes, agora é um a cada três, quatro meses — conta.

A Phonetrack é outra empresa de tecnologia que migrou para o remoto na pandemia e assim permaneceu. Em março de 2022, a companhia passou a funcionar em quatro dias porque seus empregados estavam sendo muito procurados pela concorrência.

— Também queríamos oferecer qualidade de vida. Divulgamos uma vaga há algumas semanas que teve 3 mil inscritos, mostrando a atratividade do remoto e dos quatro dias. Antes, para uma vaga como essa, recebíamos 300, 400 inscritos — disse a coordenadora de RH, Karoline Hasse.

A Atlantic Tax & Advisory, que também é remota e adotou a semana de quatro dias há um ano e meio, conseguiu atrair funcionários de grandes empresas, como o consultor sênior Felipe Moura, de 30 anos, que se juntou à equipe em fevereiro de 2023.

Felipe Moura é consultor na Atlantic Tax & Advisory — Foto: Guito Moreto/Agência O Globo

Antes, ele trabalhava presencialmente dois dias na semana, mas a antiga empresa se preparava para aumentar o número de idas para três. Moura diz ter ganhado bastante tempo extra por não ter que perder horas no deslocamento.

— E, com a folga, é possível resolver meus problemas. No meu dia livre, fico descansando. Tem vezes que vou ver minha família, vou na casa da minha vó. Tem dias que resolvo coisas, vou ao médico — conta.

Escala de folgas

A Atlantic cortou um dia na semana, mantendo a jornada tradicional nos demais, de oito horas. A folga de cada empregado funciona em modelo de escala, variando em cada semana.

Na LDSOFT, a jornada de trabalho passou de oito para nove horas por dia, reduzindo a carga semanal de 40 para 36 horas, com folgas às segundas ou sextas. A Phonetrack também divide as folgas entre segunda e sexta, com oito horas de trabalho diárias.

Camila Miranda, de 31 anos, coordenadora de marketing da LDSOFT, disse que, após a pandemia, já não se imaginava voltando ao escritório. Quando a empresa adotou o modelo remoto de vez, as equipes já estavam acostumadas a trabalhar online.

— Eu morava no Cachambi e trabalhava em Niterói. Perdia uma hora e meia indo, e o mesmo voltando. Com o remoto, e principalmente com a folga na semana, consegui fazer o meu mestrado enquanto trabalhava. Meus colegas da faculdade não conseguiam conciliar tão facilmente — disse.

Produtividade

Com a adoção do trabalho remoto, a Phonetrack conseguiu cortar custos: não precisa pagar aluguel, condomínio e internet, gerando uma economia grande, mesmo que a empresa tenha começado a pagar uma ajuda de custo para o home office.

Apesar da semana de quatro dias, o banco de horas reduziu 10%, o que Karoline atribui a uma boa gestão de tempo e à produtividade dos funcionários. Segundo Duffles, a produtividade da LDSOFT também aumentou.

— Esse modelo deixa nossos funcionários felizes e eles produzem melhor. Nossas demandas estão há dois meses adiantadas — afirma Pires.

Teste para jornada reduzida

A organização sem fins lucrativos 4 Day Week está conduzindo estudos para avaliar os impactos da semana reduzida no Brasil, em parceria com a ONG local Reconnect Happiness at Work. Em janeiro, algumas das 22 empresas participantes começaram a implementar a semana de 4 dias, após três meses de planejamento.

Outras duas iniciaram em dezembro. Ainda não foram divulgadas as primeiras impressões, mas relatório publicado em fevereiro destaca que boa parte das participantes decidiram ingressar no experimento para atrair e reter talentos. São 280 trabalhadores incluídos nos testes.

Nem sempre funciona

A especialista em Recursos Humanos Ylana Miller afirma que alguns profissionais de empresas com a semana reduzida relatam que, com a mudança, passaram a trabalhar mais nos quatro dias, de modo a compensar as horas a menos.

Outro problema acontece quando as empresas adotam a semana de 4 dias apenas para alguns setores, como finanças e recursos humanos, por exemplo, deixando os trabalhadores operacionais no regime regular.

Ylana diz ainda que a semana de 4 dias, em países como o Brasil, pode acabar não trazendo melhorias para a saúde mental dos trabalhadores, já que muitos fazem “bicos” durante o dia livre:

— A semana 4 dias não é amplamente adotada em países como Dinamarca e Cingapura. Mesmo assim, os trabalhadores são mais felizes, porque a cultura do trabalho permite qualidade de vida. Em países em desenvolvimento, trabalhadores de uma empresa com 4 dias por vezes usam o quinto dia para fazer freelancer, ficando ainda mais sobrecarregados — disse a especialista.

Wander Luiz, gerente de desenvolvimento organizacional da multinacional de benefícios corporativos Up Brasil, chama atenção para o impacto da semana de 4 dias em empresas de segmentos distintos: uma empresa de tecnologia pode mudar para esse modelo mais facilmente que empresas com muitos trabalhadores atuando em cadeias produtivas, por exemplo.

Segundo Gabriela Brasil, líder de Comunidade, embora muitas empresas tenham sucesso e adotem permanentemente a semana de 4 dias após o período de teste, algumas não seguem esse caminho. Os motivos variam.

— Em alguns casos, as empresas concluem que não têm a cultura organizacional adequada. Esse modelo tende a complementar culturas positivas, que se baseiam em confiança e parceria. Não é uma solução para culturas empresariais problemáticas — disse Gabriela.

Fonte: O Globo

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