Equidade de gênero no mercado depende de mudança cultural

Apesar de terem conquistado um bom espaço no mercado de trabalho, a inclusão de mulheres no ramo de atividades ocupacionais no Brasil ainda é longe do cenário ideal. Limitações, preconceito e exaustão devido à duplas jornadas contribuem para a discriminação no mercado, resultando, mutias vezes, em menores chances de promoções e ocupações de cargos de liderança, bem como em salários menores.

Em setembro do ano passado, por exemplo, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgou um relatório mostrando que, mundialmente, as mulheres recebem 20% a menos do que os homens. A cifra é resultado, sobretudo, da pandemia de covid-19, que atingiu fortemente o grupo nos termos de segurança de renda e divisão de responsabilidade por gênero, colocando em risco décadas de progresso em relação à equidade.

Em meio ao cenário, governos, empregadores e organizações de trabalhadores vêm propondo medidas de transparência para conter a disparidade salarial. É o caso do Brasil, que, segundo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), deve apresentar, ainda nesta 4ª feira (8.mar), uma proposta de lei para garantir “definitivamente” que mulheres e homens recebam salários iguais caso exerçam a mesma função no trabalho.

A medida, no entanto, não deve ser eficaz enquanto a mudança não for cultural. Isso porque já existe uma exigência para que empregados da mesma função ganhem o mesmo salário – presente no artigo 461 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Nessas condições, a mulher não pode ter a remuneração menor que o homem e, caso tenha, deverá receber uma equiparação salarial.

“Lei já existe. A questão é que ela seja fiscalizada, e a diversidade deixe de ser responsabilidade do ‘marketing’ em muitas empresas. A mudança é cultural. Entidades sindicais também poderiam agir, mas elas não são diversas. Então, a mudança é aplicar a lei e ver realmente a mulher como igual”, analisa a advogada e Diretora Presidente da Associação Paulista de Relações e Estudos Sindicais (Apres), Maria Lucia Benhame.

Ela explica que grande parte da sociedade continua enxergando a mulher como um ser inferior e que, muitas vezes, leis que servem para proteger o grupo acabam sendo um “preconceito disfarçado”, garantindo o triunfo masculino nos postos de trabalho. “A mulher hoje tem boa formação, mais, às vezes, que os homens em alguns setores. Então tudo se resume ao preconceito e à figura idealizada da mulher como mãe de família”, frisa.

O mesmo é dito por Sabrina Donatti, especialista em Direito da Mulher, que cita ainda a dificuldade das mulheres quando voltam da licença maternidade. Segundo ela, muitas trabalhadoras acabam sendo dispensadas com a desculpa de que o tempo fora impactou o espaço delas na empresa. Outras companhias, por sua vez, colocam à prova a capacidade profissional das mulheres em meio à maternidade, geralmente de forma abusiva e excessiva, o que acaba resultando na desistência por parte das mães.

“A sociedade precisa ser educada a entender que é benéfico a ela termos mulheres que conseguem ser mães e continuarem a trabalhar com qualidade, pois todos acabam ganhando. Além de se pensar em licença parental, quando o homem também tem a possibilidade de cuidar desse filho que nasceu. Assim, todos entendem a importância do cuidado, não ficando exclusivo a um gênero”, afirma Sabrina.

De acordo com relatório do Banco Mundial, em 2022, apenas 34 reformas jurídicas relacionadas a questões de gênero foram registradas em 18 países – número mais baixo desde 2001. A maioria das reformas se concentrou em aumentar o período das licenças-paternidade e parentais remuneradas, remover restrições ao trabalho das mulheres e demandar igualdade salarial. Para alcançar um cenário ideal, no entanto, ainda são necessárias cerca de 1,5 mil reformas.

“Mulheres no mercado de trabalho são importantes não somente para elas mesmas, mas para a economia e para os lucros da empresa onde desempenham suas funções. Pois já foi demonstrado em pesquisas que organizações que investem em ações de equidade de gênero tem um aumento de faturamento de 12,2% em média, representando um crescimento 6 vezes maior do que o do mercado como um todo”, diz Sabrina.

Mulheres negras

A participação de mulheres negras no mercado de trabalho é ainda menor quando comparada às mulheres brancas. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de desemprego envolvendo o grupo ficou, novamente, na casa dos dois dígitos (16,3%) no primeiro trimestre de 2022, representando mais de 4,1 milhões de desempregadas. A taxa de informalidade também ficou alta, chegando aos 43,3%.

No ano passado, as mulheres negras ainda ganhavam menos da metade do que os homens brancos, bem como o equivalente a 60% do rendimento médio das mulheres brancas/amarelas. A participação do grupo entre os 10% com os maiores salários também é baixa, mesmo após um crescimento entre os anos de 2012 (7,1%) e 2022 (9,2%). 

“A situação das mulheres negras no mercado de trabalho ainda permanece preocupante quando comparada com os demais grupos demográficos. Elas tendem a participar menos do mercado de trabalho, com uma taxa inferior à das mulheres brancas, já considerada baixa. Além disso, a taxa de desemprego e de informalidade também são mais altas entre as mulheres negras do que para os demais grupos”, analisa Janaína Feijó, pesquisadora do FGV-IBRE.

Mudanças necessárias

Além da igualdade nos contratos salariais, medidas como incentivo para progressões de cargo, cursos e políticas de diversidade são essenciais para auxiliar a equidade de gênero no mercado de trabalho. Confira essas e outras ações necessárias citadas pelas especialistas consultadas pelo SBT News:

• Pesquisar talentos internos, abrir oportunidades e criar programas de mentoria contra a discriminação salarial;
• Aderir medidas de licenças parentais visando homens;
• Investir em capacitação e cursos contra assédio;
• Igualdade salarial;
• Incentivo para progressão de cargos;
• No geral: esquecer o discurso de igualdade e ir à prática.

Fonte: SBT News

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